
Este é um episódio passado na família de Davi, o segundo rei de Israel. E o facto de vermos este relato na Bíblia, é a prova de que ela não limpa a imagem dos seus “heróis”.
Davi foi considerado um homem segundo o coração de Deus (Atos 13:22), mas não deixou de ser um homem, e por isso pecador (cf. Romanos 3: 23). Ao revelar as falhas e o pecado daqueles que podem ser considerados heróis da fé, a Bíblia mostra como todos somos humanos e pecadores, e todos precisamos de um Deus Salvador. Mostra também que o coração do Homem não mudou ao longo da História, e por isso, a mensagem de Salvação continua tão atual hoje como nos tempos de Davi.
Vamos então ao texto em 2 Samuel 13.
Amnon foi o primeiro filho de Davi. A sua mãe foi Ainoã, a jezreelita (2 Samuel 3: 2). Como primogênito seria o principal pretendente ao trono.
Tamar e Absalão eram irmãos, filhos de Davi com Maaca, filha de Talmai, que era rei de Gesur (2 Samuel 3: 3). Absalão foi o terceiro filho de Davi, e tal como Tamar, era meio-irmão de Amnon.
Como protagonista na história, temos também Jonadabe, sobrinho de Davi (2 Samuel 13: 3). Era por isso, primo de Amnon, Absalão e Tamar.
O incesto de Amnon
Tamar era muito bonita e Amnon enamorou-se dela, ao ponto de ficar doente, como diz o texto. No entanto, como as filhas dos reis eram bastante protegidas nesta altura, Amnon devia ter pouco acesso a ela.
Foi por isso que Jonadabe, um amigo de Amnon, e também seu primo, sugeriu um esquema para que Amnon pudesse ficar sozinho com a irmã.
Disse Jonadabe a Amnon: “Deita-te na tua cama e finge-te doente; quando teu pai vier visitar-te, dize-lhe: Peço-te que minha irmã Tamar venha e me dê de comer pão, pois, vendo-a eu preparar-me a comida, comerei de sua mão.” (2 Samuel 13: 5)
Os relacionamentos entre irmãos eram proibidos por Deus. Vemos isso em Levítico 18:11, por exemplo: “Não descobrirás a nudez da filha da mulher de teu pai, gerada de teu pai; ela é tua irmã.”
Por isso, se Jonadabe fosse fiel ao Senhor, e verdadeiro amigo de Amnon, nunca o ajudaria a pecar.
No entanto, Amnon acabou por seguir o conselho de Jonadabe e fingiu-se doente. O rei Davi foi visitá-lo, e Amnon pediu que Tamar fosse cozinhar para ele. O rei aceitou, e lá foi Tamar a casa de Amnon.
Quando os bolos estavam feitos, Amnon mandou sair toda a gente e obrigou-a a deitar-se com ele. Ela tentou resistir e deu-lhe quatro razões para que ele não fizesse esse mal.
“Porém ela lhe disse: Não, meu irmão, não me forces, porque não se faz assim em Israel; não faças tal loucura. Porque, aonde iria eu com a minha vergonha? E tu serias como um dos loucos de Israel. Agora, pois, peço-te que fales ao rei, porque não me negará a ti.” (2 Samuel 13: 12-13)
Absalão não quis saber de nenhuma das razões. O seu desejo carnal foi mais forte, e concretizou o ato. Mas depois de concretizado o pecado, sentiu uma grande aversão por ela, e aborreceu-a a ponto de a pôr fora de casa.
Ela saiu e foi pelo caminho clamando, com a túnica rasgada e cinza na cabeça. Quando o seu irmão Absalão soube o que tinha acontecido, disse-lhe para se calar e não fazer nada. Ele próprio não fez nada logo, mas odiou o seu irmão no seu coração.
Quando Davi soube o que tinha acontecido, irou-se muito (2 Samuel 13: 21), mas não puniu Amnon pelo crime, como era sua obrigação como rei e como pai. Davi não fez cumprir a Lei de Deus.
Já vimos que o incesto era proibido por Deus em Levítico 18:11, e vemos no seguimento, em Levítico 18: 29, qual devia ser a sua consequência: “Todo que fizer alguma destas abominações, sim, aqueles que as cometerem serão eliminados do seu povo.” Eliminados do seu povo significava mortos. Teria que ser esta a pena de Amnon.
Vemos algumas situações ao longo da vida de Davi, em que ele não cumpriu a Lei do Senhor, e isso veio a revelar-se trágico para si, para a sua família e até para o seu povo.
Absalão mata Amnon
Dois anos depois do sucedido, Absalão decidiu dar uma festa na altura da tosquia das ovelhas.
Absalão foi ter com Davi e convidou-o para ir à festa com os seus servos. No entanto, o rei recusou o convite, dizendo que não era bom irem todos ao mesmo tempo para não lhe serem pesados.
Absalão então insistiu que Amnon fosse à festa, e Davi acabou por deixá-lo ir com todos os seus filhos. O plano de vingança estava em marcha.
A ordem de Absalão aos seus servos, era para que quando Amnon já estivesse “alegre de vinho”, estes o matassem. E eles assim o fizeram.
Os outros filhos do rei fugiram, e chegaram notícias a Davi que todos os seus filhos estariam mortos. O rei ficou muito perturbado, rasgou as suas vestes e lançou-se por terra.
Mas aqui vemos Jonadabe novamente a entrar em ação, e a revelar as intenções do coração de Absalão, que já tinha determinado matar Amnon desde o dia em que este forçou a sua irmã Tamar.
Jonadabe disse a Davi: “Não pense o meu senhor que mataram a todos os jovens, filhos do rei, porque só morreu Amnom; pois assim já o revelavam as feições de Absalão, desde o dia em que sua irmã Tamar foi forçada por Amnom.” (2 Samuel 13: 32) Dois anos tinham-se passado, mas o ódio do seu coração não.
Perante esta situação de assassinato, Absalão devia ser punido com a morte. “Se alguém empurrar a outrem com ódio ou com mau intento lançar contra ele alguma coisa, e ele morrer, ou, por inimizade, o ferir com a mão, e este morrer, será morto aquele que o feriu; é homicida; o vingador do sangue, ao encontrar o homicida, matá-lo-á.” (Números 35: 20-21)
Por causa disso, Absalão fugiu para Gesur, que era a terra da sua mãe, e ficou ao abrigo de Talmai, rei de Gesur, que era seu avô e de Tamar. Esteve lá durante três anos, até que como diz o texto, “o rei Davi cessou de perseguir a Absalão, porque já se tinha consolado acerca de Amnom, que era morto.” (2 Samuel 13: 39)
Neste episódio, mais uma vez Davi não cumpriu as leis de Deus, ao não aplicar a Sua justiça sobre Absalão. Também acabou por perder dois dos seus sucessores ao trono, um morto e o outro fugido.
Aplicações
A partir destes acontecimentos, podemos tirar algumas aplicações práticas para a nossa vida. Embora teologicamente o texto possa não ter sido escrito com estes temas em mente, destacamos algumas questões que nos parecem úteis para nossa reflexão.
Que amizades temos estabelecido, e que conselhos temos seguido? Temo-los colocá-lo à prova da Palavra de Deus, até mesmo aqueles que recebemos de familiares?
Amizades, ou relações de grande proximidade, com pessoas que não estão no Senhor podem ser perigosas para os Seus filhos. Tal como o ouvir e seguir os seus conselhos.
Amnon deveria ter colocado o conselho do seu primo à prova da Palavra de Deus, e verificado se o mesmo estava de acordo com os seus ensinos. Se assim o tivesse feito, provavelmente os problemas que se seguiram tivessem sido evitados.
Ouçamos o que o apóstolo Paulo tem para nos dizer em 2 Coríntios 6: 14. “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas?”
Como temos lidado com os desejos do nosso coração e com a insatisfação?
Os desejos do coração, por si só, podem já ser pecado (Mateus 5: 27-28), mas depois de concretizados, podem causar dano ainda maior, não só a nós como aos outros. E vemos também que, nem depois do ato concretizado Amnon ficou satisfeito: “Depois, Amnom sentiu por ela grande aversão, e maior era a aversão que sentiu por ela que o amor que ele lhe votara” (2 Samuel 13: 15)
De facto, só há um que pode satisfazer plenamente as ânsias do nosso coração, e esse é Deus através do Seu Filho.
“Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo. Então, lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão.
Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.” (João 6: 33-35)
Jesus Cristo é o único que pode satisfazer plenamente a fome e a sede da nossa alma.
Como temos encarado os mandamentos de Deus e a Sua Lei? E como temos aplicado a Sua justiça? Com vingança e pelas próprias mãos, ou deixando-a ao cuidado do Justo Juiz?
A Lei de Deus é para ser cumprida com justiça, em todas as ocasiões. E nunca devemos querer fazer justiça pelas nossas próprias mãos, como Absalão fez. A justiça de Deus pode parecer tardar aos nossos olhos, mas nunca falha (Salmos 7: 11; Jeremias 11: 20).
Tal como Ele nos afirma na Sua Palavra: “A Mim me pertence a vingança, a retribuição, a seu tempo (…)” (Deuteronômio 32:35a) E podemos ter a certeza que virá na justa medida, e não segundo aquilo que nos parece bem.
Que exemplo temos dado aos nossos filhos como pais?
Os pais têm uma grande responsabilidade na educação dos seus filhos. E mais importante do que as palavras que são usadas, é o exemplo que é dado com as suas ações. E por isso, esses exemplos têm que bons aos olhos de Deus.
Vemos no texto alguns exemplos de más ações de Davi, que vieram a ser seguidas pelos seus filhos.
– Davi não se retraiu no caso de Bate-Seba (2 Samuel 11: 2-4), aqui Amnon também não o fez no caso de Tamar.
– Davi premeditou o assassinato de Urias (2 Samuel 11: 14-15), tal como Absalão o de Amnon.
– Davi mandou os seus servos matarem Urias (2 Samuel 11: 16-17), tal como Absalão mandou os seus servos matarem Amnon.
Que possamos aprender de Deus e da Sua Palavra para termos uma vida diária mais de acordo com a Sua vontade.
“Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo (…)”
(Filipenses 1: 27a)
Crédito de imagem: Hassan Vakil